“Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”. Proferida por Marx em “Salário, Preço e Lucro”, a frase em questão demonstra o quão decisivo é para todos nós, marxistas leninistas, ter efetiva capacidade de analisar a conjuntura que se apresenta em cada momento e, a partir daí, extrair as consequências sobre nossa prática política concreta. É isto o que fazemos a todo momento, a partir da compreensão do marxismo leninismo como ferramenta teórica e, ao mesmo tempo, arma política do proletariado.
No mundo das aparências, que sempre opera a partir de uma ‘racionalização’ superficial imposta pela ideologia burguesa, a saída de Sergio Moro do governo, ocorrida nesta sexta-feira (24/4), teria sido supostamente provocada por uma ‘divergência’ do ex-juiz com Bolsonaro em torno da exoneração do delegado Marcelo Valeixo do comando da Polícia Federal (PF). Independente de Moro já vir acumulando alguns desgastes com Bolsonaro sobre a forma como deveria ser conduzido o Ministério da Justiça, o fato é que o pedido de demissão do ex-juiz foi resultado de um cálculo frio e oportunista: Moro pediu demissão por perceber que, ao tentar acumular forças rumo à construção e implementação de um governo fascista no país, a partir de um golpe de estado, Bolsonaro já não dispõe, no interior das estruturas do estado brasileiro, do necessário escopo ou apoio para tal, como aliás o Movimento Marxista 5 de Maio vem caracterizando em suas últimas análises.
Apesar de nos últimos meses Bolsonaro ter militarizado ainda mais o seu governo — nomeando mais oficiais para postos-chave da administração pública (e até em posições subalternas) com o objetivo de conformar uma dominação completa sobre o aparelho governamental —, o fato é que sua penetração nas forças armadas não tem peso suficiente para que implemente um golpe hoje. Da mesma forma, sua base social de apoio — incluindo parcelas expressivas de uma classe média protofascista e de um proletariado arrebanhado por igrejas neopetencostais também fascistas — não tem sido capaz de produzir mobilizações de massa em apoio a uma ruptura institucional. As mobilizações fascistas convocadas por Bolsonaro e realizadas no último dia 19/4, por exemplo, embora tenham levado significativo número de pessoas às ruas de algumas capitais brasileiras, foram incapazes de produzir atos massivos. O que contribuiu para um isolamento e desgaste ainda maiores de Bolsonaro em relação aos demais poderes no interior do estado burguês.
Exatamente por perceber esta realidade — isolamento de Bolsonaro e inviabilidade de seu projeto fascista no curto e médio prazos — foi que Moro, confirmando o crápula degenerado que sempre foi (e da mesma estirpe de Bolsonaro), pulou como um rato fora do navio que afunda. Tudo para preservar seu projeto pessoal de se candidatar à presidência da república em 2022 e (quem sabe) ser a derradeira alternativa burguesa no processo eleitoral, concorrendo na mesma seara de João Dória.
A saída de Moro do Ministério da Justiça com certeza aprofunda a crise de governabilidade e o esgarçamento das contradições entre Bolsonaro e as demais frações burguesas no interior do Estado brasileiro. Frações cada vez mais inquietas perante um governo que, ao produzir crises diárias, transforma-se mais em ‘obstáculo’ que ‘solução’ para o aprofundamento e continuidade das reformas exigidas pelo grande capital e o imperialismo, já dificultadas pela pandemia da covid-19, que levou os governos federal e estaduais a abrirem os cofres para salvar empresas e o sistema financeiro, pagando, ao mesmo tempo, míseros R$ 600,00 ao proletariado.
Em recente declaração à imprensa, o secretário-executivo do Ministério da Economia, Marcelo Guaranys, afirmou que as reformas tributária, fiscal e administrativa estão ‘temporariamente suspensas’ devido à covid-19. Na verdade, porém, a real causa é o confronto entre Bolsonaro e o Congresso Nacional em torno de projeto de lei prevendo ajuda de R$ 89 bilhões a estados e municípios, como forma de compensar a queda na arrecadação de impostos como ICMS e ISS. A crise e o tensionamento político no interior do campo burguês têm sido tão grandes que já transformaram o ministro da economia, o megaespeculador Paulo Guedes, numa espécie de ‘pato manco’ incapaz de qualquer iniciativa para aprovar projetos vindos do Executivo. Como se diz popularmente, Bolsonaro ‘deu a escada para Paulo Guedes subir, mas depois tirou a escada’.
Outro dado que torna a saída de Sérgio Moro um acontecimento de grande significado na atual conjuntura é o potencial que tem de abalar o coesionamento de partes expressivas da base de apoio a Bolsonaro. Como é sabido, Bolsonaro recebeu, em 2018, maciça votação de simpatizantes do ex-juiz e, a partir de agora, com Moro defenestrado do governo, não há garantia de que permaneçam fiéis às hostes bolsonaristas. Na prática, isto traduz-se em ainda mais dificuldades para Bolsonaro implantar seu projeto de governo fascista no país.
Na tarde da mesma sexta-feira (24/4), numa entrevista coletiva recheada de mentiras e proferida no pior estilo dos sofistas da Grécia Antiga — mestres na arte de criar argumentos para a defesa de qualquer posição, mesmo que não sejam argumentos válidos —, Bolsonaro acusou Moro de ter lhe exigido uma indicação para o Supremo Tribunal Federal (STF) como ‘moeda de troca’ para que aceitasse a mudança no comando da PF. Imediatamente após a coletiva de Bolsonaro, porém, Moro negou que tenha proposto tal barganha.
Não há que nos surpreendermos com o pântano que esta troca de acusações entre Bolsonaro e Moro evidencia. Afinal, a política burguesa é mesmo assim: degenerada, corrupta, desonesta, oportunista, velhaca e decadente. Mas tão (ou quase) degenerada quanto isto é a postura da ‘esquerda’ reformista e gramsciana perante as crises burguesas. Com todo seu oportunismo, os reformistas e gramscianos estão sempre à espreita para, na primeira chance, reificar a institucionalidade burguesa por meio da apresentação de soluções burguesas, como ‘defesa da democracia’ e ‘defesa do estado de direito’. Em alguns casos, esse oportunismo e conciliação com as instituições chega a níveis inacreditáveis, como recentemente fez o deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) quando da saída do então ministro da saúde, Henrique Mandetta. Na ocasião, sem o menor traço de vergonha, Freixo lançou a consigna ‘Fica Mandetta’, o ministro que destruiu ainda mais o financiamento da saúde pública no país, abrindo o SUS aos planos privados.
A nós, marxistas leninistas, cabe intensificar nossa propaganda e agitação na perspectiva de defender uma estratégia proletária contra todo e qualquer governo burguês, seja ou não fascista. Como comunistas que somos, jamais embarcaremos na canoa furada das soluções burguesas e democráticas. Todo poder ao proletariado!
Venceremos!