Há cinquenta e dois anos, em 9 de outubro de 1967, às 13h10 de uma tarde triste morria assassinado no longínquo povoado de La Higuera, sudeste da Bolívia, um daqueles homens que nos fazem orgulhar de pertencer à espécie humana: Ernesto Rafael Guevara de la Serna. O Che. Apelido que ganhara no México de seus companheiros cubanos pelo uso repetido da expressão carinhosa, de largo uso na sua Argentina natal, no convívio intenso e diário nos meses de preparação da expedição revolucionária comandada por Fidel Castro que, após o desembarque na Ilha em dezembro de 1956 e uma dura luta de mais de dois anos, tomou o poder em janeiro de 1959, Ano I da heroica Revolução Cubana.
Ministro da Indústria do governo revolucionário cubano, Che resolve no início de 1965 deixar todos os cargos que ocupava em Cuba e, em abril, partir para a África, onde, à frente de um grupo de cem voluntários cubanos, se juntou à guerrilha congolesa comandada por Laurent Kabila, que tentava resistir à ditadura pró-imperialista dos generais Kasavubu y Moisés Tchombe. Mas, como veio a constatar Che, as precariedades políticas, militares e ideológicas do grupo de Kabila inviabilizavam qualquer luta: ausência de um programa, indisciplina, misticismo exacerbado, individualismo e oportunismo sintetizavam os vícios insanáveis do ‘exército’ de Kabila. Assim, em novembro de 1965, Che parte de volta a Cuba. Para novos voos. Para criar “Um, dois, três Vietnãs”, palavra de ordem que ele mesmo criara para convocar os explorados de todo o mundo para uma luta mundial contra o imperialismo.
Em Cuba, começa imediatamente a planejar e preparar uma nova expedição revolucionária, agora para a América Latina, Bolívia especificamente. Não foram poucos os camaradas cubanos que o aconselharam a cancelar a nova empreitada. Che não deu ouvidos a ninguém, Fidel incluído. Na realidade sua irremovível decisão de partir rumo ao Sul foi basicamente determinada por discordar dos rumos que tomava a Revolução Cubana, principalmente na área econômica, mas com reflexos diretos na política interna e externa do país.
Desde a declaração do caráter socialista da Revolução, em 1961, Che defendia a urgência da implantação da propriedade socialista, estatal, em todo o campo, com a extinção da pequena propriedade rural, basicamente dedicada à produção de alimentos. Na realidade, isso constituiria um rompimento da aliança operário-camponesa que havia sido fundamental, estratégica, na conquista do poder, na vitória da guerrilha. Che argumentava que o momento da conquista do poder havia passado e que agora se tratava de aprofundar a Revolução. Travada a discussão no interior das forças que iriam, em 1965, constituir o Partido Comunista Cubano, as propostas de Che foram derrotadas. Ao fundo, o alinhamento automático à União Soviética, que já então e desde Kruschev havia adotado uma estratégia de convivência com o mercado, de estímulos materiais individuais e de manutenção da propriedade rural produtora de alimentos.
Na Bolívia, Che não encontrou o apoio do campesinato local prometido pelo PC Boliviano. Progressivamente desfalcadas e enfraquecidas, suas reduzidas tropas foram cercadas e dizimadas pelo exército boliviano, a partir de informações de sua exata localização dadas por camponeses da região. Che é então preso na tarde de 8 de outubro ao lado dos companheiros Simón Cuba e “El Chino”, fuzilados logo que chegaram a La Higuera. Che, ferido na perna, foi mantido vivo até o início da tarde do dia seguinte, quando René Barrientos, o ditador de plantão, mandou executar a ordem do seu assassinato vinda diretamente de Washington. Os oficiais e suboficiais do exército boliviano, assim como o agente da CIA presente no local, não se prestaram a fazer pessoalmente a execução, por medo certamente, passando a responsabilidade para um jovem soldado, que então descarregou sua metralhadora sobre o Guerrilheiro Heroico. Hoje, os povoados de La Higuera e de Vallegrande (este, onde o corpo de Che e de seus companheiros foram enterrados clandestinamente pelo governo em uma vala comum) são referências da resistência do proletariado mundial, abrigando marcos da luta e da vida de Che. Em 1997, o jornalista norte-americano John Anderson, biógrafo de Che, obtém a informação da localização do corpo de Che. O governo cubano, depois de intensa campanha, consegue trasladá-lo para Cuba, onde hoje descansa em mausoléu com seu nome.
A vida e a morte de Ernesto Che Guevara nos deixa muitas e insubstituíveis lições. Pouco se fala de sua mais que sólida formação teórica no campo do marxismo-leninismo. Sua luta no interior do partido cubano em defesa da autonomia do país frente ao chamado alinhamento automático à URSS evidentemente não ocorre em razão de alguns desses vícios individualistas pequeno-burgueses bem típicos, aliás, de conservadores travestidos de rebeldes. De patrioteiros. Che sabia muito bem que o revisionismo soviético de então somente poderia conduzir o proletariado a derrotas. Como a história o comprovou. Sabia também que o revisionismo-reformismo era no fundo o responsável pela falsamente responsável política de ‘coexistência pacífica’ posta em prática pela URSS, que na realidade concretizava um grande pacto de conciliação com o imperialismo.
Nestes tristes tempos, os tempos atuais em que crescem como ervas daninhas do reformismo, o gramscianismo e o democratismo, Che nos lega uma crítica aguda, prática, exemplar, ao reformismo e à conciliação de classes. Este é o seu maior legado político.
Ideologicamente, nos mostrou o que é ser um humano em sua mais aguda potencialidade. Vida longa para Che Guevara.
Venceremos!!!