Mais uma vez se faz presente no cenário político a formulação de Marx de que a história só se repete enquanto farsa. Na primeira vez, os fatos históricos ocorrem enquanto tragédia. Na segunda, como farsa. Quando, na primeira metade dos anos 80 do século passado, a locomotiva burguesa carreou às ruas multidões clamando por eleições diretas para presidente da República, defrontamos com a tragédia vitoriosa da conciliação de classes que, no palco espúrio da democracia, colocou em cena toda uma gama de atores que, embora trajando figurinos diferentes, entoavam a mesma ladainha: eleições diretas, Constituinte etc. Democratas burgueses e democratas pequeno-burgueses se esgoelavam irmanados por palcos espalhados pelas praças brasileiras cantando louvores e orando aos seus deuses pela instalação, no Brasil, daquela forma de organização do Estado mais eficaz na sua sagrada missão de garantir a exploração e a desigualdade: a democracia.
Não foi menos que trágico ver partidos e organizações de esquerda de várias denominações – comunistas, trotskistas, socialdemocratas, anarquistas, gramscianos – ostentarem desavergonhadamente suas bandeiras em defesa de … um estado burguês. Para disfarçar o oportunismo, o velho argumento de que a democracia seria o caminho para o socialismo. Pasmem: alguns destes partidos e organizações se diziam – e se dizem – marxistas! Quando alguém lhes pedia um exemplo histórico, não mais que um exemplo histórico, de um caso em que a democracia tivesse conduzido, ou que fosse um caminho, ao socialismo, a resposta ou era o silêncio, ou que a democracia de que falavam era uma democracia diferente, uma “democracia popular”, uma “democracia de trabalhadores”, uma “democracia socialista”.
Enfim, uma defesa esfarrapada da patética afirmação de que a democracia seria um “valor universal”. E se diziam e se dizem marxistas. Patético. Ridículo.
O resultado? Todos conhecemos: Sarney, Collor, Itamar, Fernando Henrique, Lula, Dilma, Temer. E Bolsonaro como a cereja do bolo da democracia. Aos trabalhadores, fome, miséria, doença, morte.
Agora, a farsa. Se antes tínhamos uma oposição unificada à ditadura – oposição burguesa e pequeno-burguesa, repita-se –, o que temos agora com este movimento Direitos Já é uma meia dúzia de eunucos oportunistas sem rumo e sem bandeira. O que significa exatamente Direitos Já? Nada. Enquanto palavra de ordem não unifica ninguém, não mobiliza ninguém. Nenhuma verdade, nenhum sentimento verdadeiro. Covarde por natureza, tal movimento sequer se preocupa em estabelecer uma meta. Oportunismo puro e destilado. Por todos os deuses, quem é Fernando Henrique Cardoso, senão um velho serviçal aposentado da burguesia? Quem é Luciano Huck, senão um mega-analfabeto oportunista em busca de incrementar seus negócios? E assim por diante. Boulos? Haddad? Por favor. Esperto, Lula saltou fora do barco. Oportunista por vocação, se postou à espera de uma melhor oportunidade para comer o bolo todo.
Mas temos também a esquerda revolucionária, lembra logo um desavisado. Alguém precisa explicar, pela enésima vez, a tal desavisado que é exatamente a presença dessa esquerda pretensamente revolucionária que torna a farsa completa.
O que tem feito, o que tem proposto a esquerda nestes tempos bolsonaristas? Sem jamais haver compreendido o significado da eleição e do mandato do capitão, a grande maioria dessa esquerda (reformistas, reformistas gramscianos, trotskistas etc.) de início entrou em pânico, supondo que no primeiro dia do mandato de Bolsonaro estaríamos já em plena vigência de um estado fascista. E foi um tal de reuniões clandestinas, celulares na geladeira, um agente da CIA em cada esquina etc. Farsesco. Patético. Passado um pouco tempo, foi-se acostumando, percebendo que o diabo não era tão feio. Pendurada nas bandeiras sujas do identitarismo, a maioria da esquerda se esqueceu totalmente de que um dia já defendera os interesses do proletariado. Política, só a da burguesia. E surge a consigna salvadora, unificadora: Fora Bolsonaro! Ótimo, os marxistas somos totalmente a favor de que se expulse Bolsonaro do poder. Com uma “pequena” diferença: nós queremos substituir Bolsonaro pelos trabalhadores. A maioria da esquerda quer substituir Bolsonaro por burgueses e pequeno-burgueses. A maioria da esquerda quer manter as instituições burguesas (parlamento, tribunais, executivo, forças armadas etc.). Os marxistas, ao contrário, queremos destruir tais instituições.
Mas instalar um poder proletário hoje, nesta conjuntura, é impossível!, vociferam irritados os porta-vozes da burguesia e da pequena burguesia. Certo, correto. Mas o que fazer diante de tal impossibilidade? “Lutar” pela instalação de um poder burguês, que – é preciso insistir e repetir! – nunca, em lugar algum do planeta, levou à instalação de um poder proletário?
Uma estratégia marxista só pode ter uma resposta diante da impossibilidade imediata de os trabalhadores tomarem o poder para si e instalarem um estado formado por instituições proletárias, abertamente classistas: acumular forças. Acumular forças no interior do proletariado (sindicatos, locais de moradia etc.), fazendo nossa agitação nos movimentos e greves isoladas, divulgando nossa propaganda revolucionária, conscientizando. Denunciando o oportunismo. Não há outro caminho. É um caminho mais árduo e difícil. Só os verdadeiros revolucionários têm força para trilhá-lo.
Venceremos!