América Latina: eleição x revolução

América Latina: eleição x revolução

Uma discussão da relação entre eleições e revolução na América Latina, como de resto em todo o mundo, exige um aprofundamento prévio, rigoroso mesmo que breve, dos dois conceitos. Sim, trata-se de dois conceitos-práticas políticas que, como recomendou Lênin, têm que ser pensados a partir da teoria marxista: “Sem teoria revolucionária, não há prática revolucionária”, lembremo-nos. Não por acaso, tanto antes de Marx/Engels, quanto após a adoção oficial do reformismo na URSS a partir da era Kruschev, a fundamentação teórica da prática política em busca da superação revolucionária do capitalismo sempre foi precária, idealista, mecanicista e, por tudo isso, inconsequente desde o ponto de vista da transformação revolucionária das sociedades. Desde que haja reformismo — e posteriormente trotskismo e gramscianismo —, não se pode falar em teoria revolucionária. Nem em revolução.

É neste quadro que vemos partidos que inclusive trazem a palavra ‘comunismo’ em seus nomes mergulharem de cabeça em eleições burguesas sem se perguntarem o que fazem e o que querem. Tal pensar espontaneísta conduz inevitavelmente à conciliação e ao oportunismo, práticas preferenciais do reformismo/neorreformismo gramsciano e do trotskismo, respectivamente. A partir do método materialista do marxismo leninismo, podemos elencar os fundamentos alegados pela esquerda para participar de eleições burguesas em duas categorias gerais:

a) Fundamento programático, que tem suas bases estruturais na visão pequeno-burguesa — amplamente desmentida pela história — de que é possível e necessário caminhar de eleições burguesas em eleições burguesas, de reformas sócio-políticas em reformas sócio-políticas até, em um belo dia de primavera, amanhecer-se em uma sociedade socialista. É este o eixo das posições programáticas do reformismo clássico e do gramscianismo.

b) Fundamento tático, que, escorado na astúcia, na esperteza e no ardil, mascara sua inconsistência material e sua adesão às práticas do estado democrático — este, sempre a serviço da burguesia — na alegação de que tal participação é apenas um “meio” de avançar na luta revolucionária, que, asseguram os espertos, deve ser travada principalmente fora do âmbito do estado burguês, cuja derrubada, insistem formalmente, deverá ocorrer através da violência revolucionária. O que não percebe a tática da esperteza é que a participação em eleições burguesas apenas e tão somente fortalece e legitima o estado burguês, seja este democrático, ditatorial ou mesmo fascista. Uma autoilusão, cujo resultado jamais ultrapassa o limite de um crescimento quantitativo dos partidos que a adotam, crescimento este que se esfarela de tempos em tempos, como nos mostram as trajetórias trotskistas mundo afora.

Dito isso, é preciso dar ênfase a que o MM5 não é contra o voto em todas as eleições realizadas no interior de sociedades-estados burgueses por uma questão de princípio. Nosso princípio, igualmente muito recomendado por Lênin, é o de que é sempre preciso fazer a análise concreta da situação concreta. Isto significa que em um país concreto, no qual a luta do proletariado se encontre em situação em que os objetivos estratégicos revolucionários da classe se encontram à vista e possam, pois, ser propostos e convertidos em consignas de ação enquanto tais, em tal situação conjuntural, é possível e necessário ir ao voto, já que, como se vê, não se trata de eleições burguesas — aquelas que ocorrem no interior do horizonte político, organizacional e ideológico de um estado burguês —, mas, sim, de eleições em situações em que o horizonte à vista é o da instalação revolucionária de um estado proletário. A tais eleições podemos e devemos chamar de eleições proletárias.

E esta análise concreta da situação concreta exigida por Lênin nos permite identificar claramente três países da América Latina nos quais, na presente quadra das lutas de classes, na natureza destas lutas de classes na conjuntura, as eleições parlamentares e para o Executivo são irrevogavelmente burguesas: Argentina, Brasil e Chile. Trata-se de formações sociais em que o proletariado se vê fortemente atado a ilusões burguesas em sua organização, em sua ideologia, em suas consignas. Na Argentina de Alberto Fernández temos um movimento operário preso às suas longínquas origens peronistas e, por isso mesmo, um proletariado unificado em organizações sindicais burocratizadas, com dirigentes sempre dispostos à cooptação, ansiosos por uma oportunidade de serem cooptados pela burguesia. No Chile, uma tempestuosa onda de manifestações de massa contra o empobrecimento da classe média e a miserabilização do proletariado resultou em … nada! A não ser que se leve a sério a convocação da Constituinte. Tragicomédia. Em maio próximo, nada menos que 3.500 chilenos e chilenas estarão disputando na urna o direito a uma cadeira em mais uma dessas farsas a que a burguesia recorre de tempos em tempos para acalmar as coisas e reforçar sua dominação democrática. Farsas constituintes.

No Brasil, não se sabe se Jair Bolsonaro chegará ao fim de seu mandato. Se não, terá caído não por força de um movimento verdadeiramente proletário, mas por injunções e pressões advindas de instituições do estado burguês: a mídia burguesa, o poder judiciário, o legislativo e, que ninguém se surpreenda, a própria burguesia. Mesmo que os trabalhadores acorram às ruas para defenestrar Bolsonaro em um futuro pós-pandemia, terá sido este proletariado movido política e ideologicamente por propostas e consignas burguesas e pequeno-burguesas. Nada, absolutamente nada, indica hoje que as atuais lideranças burguesas e pequeno-burguesas que imperam no movimento operário poderão abandonar em prazo previsível seu oportunismo e adesismo ao mundo burguês. Os partidos autodenominados comunistas e socialistas majoritários no movimento sindical e operário no Brasil de há muito estão irreparavelmente contaminados pelos vírus do oportunismo, da democracia e da conciliação de classes. Caso Lula saia candidato — uma possibilidade cada vez maior —, dificilmente perderá a eleição de 2022 para Bolsonaro ou qualquer outro candidato. Vejam, porém, o que disse Lula na quinta-feira (15/4/21): “A burguesia deveria estar rezando para eu ganhar a eleição presidencial de 2022”. Os demais candidatáveis ou são meros farsantes ou burgueses declarados.

Do lado oposto, palco de objetivamente possíveis eleições proletárias, temos a Venezuela, o Equador e a Bolívia, países em que as lutas de classes assumiram um nível de agudização no qual os objetivos estratégicos, revolucionários, do proletariado mostram-se capazes de assumir de imediato o papel de motores nas lutas de classes, aptos tais objetivos a serem configurados em palavras de ordem de ação imediata. Aí, sim, podemos falar em eleições proletárias. Claro, obviamente, que o proletariado somente pode avançar se liderado por uma vanguarda proletária, seu partido revolucionário. O problema central é que em nenhum desses países se pode identificar a ação efetiva dessas vanguardas leninistas, que não conseguiram transformar as condições objetivas em vitórias efetivas e sólidas dos trabalhadores. No Equador, um candidato indígena contrarrevolucionário deu uma contribuição decisiva para a vitória do candidato do imperialismo. Na Bolívia, os trabalhadores derrubaram os usurpadores que depuseram Evo Morales, mas em seu lugar acabaram colocando um quadro da ala direita do MAS, partido de Evo. Na Venezuela, o imperialismo avança a todo vapor, submetendo o proletariado a uma pandemia de fome jamais vista na história do país. O PCV (Partido Comunista da Venezuela) e o PRT (Partido Revolucionário dos Trabalhadores) se empenham neste momento em encontrar o caminho para fazer presentes a estratégia e a tática revolucionárias exigidas como condição de barrar o avanço do imperialismo e, simultaneamente, liderar o proletariado na luta direta pelo poder direto. A Venezuela, sabemos, é o país da América Latina, e provavelmente do mundo, em que a luta de classes se encontra mais avançada, em que se faz possível e necessária uma ação voltada para a conquista do poder político. Infelizmente, ainda prevalecem nas organizações políticas do proletariado ilusões sindicaleiras, que insistem em lutas parciais e econômicas sem perceberem que o momento é o da luta final.

Estamos certos de que os camaradas venezuelanos saberão encontrar os caminhos da construção de uma proposta ao mesmo tempo política e organizatória capaz de mobilizar o proletariado em direção àquele poder direto.

Venceremos!

 

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