O assassinato de vinte e oito (28) moradores da favela carioca do Jacarezinho pela Polícia Civil do estado, cometido no dia 6/5 passado, assombrou todas as pessoas minimamente humanizadas do país. Na medida em que detalhes do morticínio foram sendo descobertos, o assombro foi-se transformando progressivamente em indignação e revolta. Fuzilamento de gente desarmada ao lado de familiares, crianças e adultos, torturas cruéis, sangue e mais sangue. Morticínios perpetrados pelas polícias civil e militar de todos os estados do Brasil não são propriamente novidade. Ocorre desde os tempos da escravidão aberta o repugnante desprezo pela vida dos trabalhadores, dos de baixo, por parte das várias formas de governo adotadas pelas classes dominantes ao longo do tempo. O que há de novo é que o de agora foi cometido à luz do dia, abertamente, sem qualquer disfarce, como a dizer: “Estamos aqui. Matamos e vamos matar mais.”
Um dos fatos que vieram logo à tona: o massacre propriamente dito foi de imediato motivado por um surto de vingança sádica que tomou conta da tropa policial a partir do momento em que viram ser morto em combate um dos policiais. De costume, o que ocorre em operações de invasão das favelas brasileiras por policiais é o prevalecimento da ideia de matar um ou dois moradores de forma a instalar um clima de pânico com a finalidade de equilibrar as forças dos diferentes grupos de marginais empenhados na disputa dos variados tipos de achaque aos trabalhadores (venda de droga, gás, ‘gatonet’, água, ‘segurança’). Fundamentalmente são quatro os tipos de quadrilheiros: tráfico, polícia, milícia e facção religiosa evangélica. Sim, trata-se de quatro tipos de organizações criminosas. Então, se não morre um dos policiais na operação de ocupação, “tudo bem”, cumpre-se a rotina de, através de poucas mortes, acomodar os interesses de cada uma dessas quatro vertentes de marginais. Se tomba um policial na batalha… que corra sangue! Foi o que voltou a acontecer no dia 6 de maio, desta vez no Jacarezinho. Muitos massacres já ocorreram. Novos massacres virão – que ninguém duvide disso.
A pequena burguesia – através das mídias e de seus partidos políticos de esquerda – fez logo ecoar pelos quatro cantos suas já cansativas falsas soluções, todas elas marcadas pelo cuidado de não apontar, sequer levemente, para qualquer coisa que possa arranhar a estabilidade do capitalismo: “…queremos justiça, polícia incompetente, é preciso acabar com a política militar, tortura nunca mais, racismo…”. A mesma ladainha de sempre. Como disse Marx, a pequena burguesia não quer revolucionar nada, quer apenas algumas mudanças superficiais que façam sua própria vida melhor no capitalismo. Isso, falando-se em militantes minoritários frente a maiorias oportunistas dos partidos pequeno-burgueses socialdemocratas, como o PT, o PSOL e o PCdoB. No mais, existem as ONGs, verdadeiras esquadrilhas de vampiros cada vez mais ávidos de chupar o sangue do proletariado. Como hienas, tomam o cuidado de ficar de fora da luta, guardando-se para abocanhar os escombros largados no campo pelos que participam diretamente da batalha.
O fato a ser insistente e repetidamente mencionado é que a situação permanente de terror que vivem os proletários favelados é expressão de causas estruturais somente superáveis por uma revolução socialista. Vamos a elas. Em primeiro lugar, a miserabilização do proletariado como dinâmica inarredável do capitalismo. Realidade também identificada e formulada teoricamente por Marx, basta uma superficial que seja olhada pelo globo terrestre para que se confirme a existência de tal tendência como realidade irrefutável: há mais miséria no mundo hoje que há 50 anos, que há 100 anos, que há 500 anos. Os feitos do capitalismo na formação de amplos e luxuosos mercados de consumo somente são e foram possíveis com a superexploração do proletariado mundo afora. E quem é diretamente beneficiado por tais feitos, a burguesia e a pequena burguesia, jamais vai querer derrubar tal sistema miserabilizante, por motivos mais que óbvios. Ainda Marx: a libertação do proletariado será obra do próprio proletariado.
Relacionado à primeira causa, temos o desemprego estrutural. O capitalismo, que tem sua mola-mestra na busca incessante e progressiva de lucros, precisa do desemprego, já que esta espada permanentemente alçada sobre o pescoço do proletariado é fator de compressão de salários. “Você acha que este salário que lhe pago é baixo? Pode ir embora se quiser. Lá fora, na porta de minha empresa, há dúzias como você à busca de teu emprego.” É assim que funciona, desgraçadamente é assim que funciona. Ainda enquanto causa estrutural, temos a guerra ideológica contra o proletariado usando as mais poderosas e variadas armas para alienar este proletariado (educação, igrejas, meios de comunicação), para impedir que este proletariado tome consciência de sua condição de escravizado, explorado e oprimido – seja ditatorial, fascista ou democrático o estado que faz e aplica as leis que escravizam, exploram e oprimem.
E o capitalismo é fundamentalmente incapaz de superar tais causas estruturais da miséria que flagela o proletariado no mundo inteiro. Voltando a consultar o mapa: são poucos os países ditos ricos que não abrigam em suas fronteiras levas e levas de miseráveis. Suécia, Suíça, Noruega e mais uns dois ou três são exceções entre estes poucos países do centro do sistema. Estados Unidos, Inglaterra e França, só para citar os três principais, veem crescer assustadoramente o número de miseráveis em suas cidades. Os Estados Unidos têm 40% de sua população vivendo na pobreza. Verifiquemos agora os países socialistas.
A China simplesmente acabou com a pobreza, que no caso configurava uma miséria agudíssima antes da tomada do poder pelo proletariado liderado pelo PCCh, em 1949. Cuba é outro exemplo de que o socialismo pode dar – e dá! – certo: um sistema de saúde pública exemplar, mesmo se comparado com aqueles países de centro de sistema, um sistema de educação pública igualmente inigualado em eficiência, abrangência e qualidade. Mas lá faltam artigos de consumo de luxo, esgoelam conservadores e fascistas. Realmente. Lá não existe consumismo. Os países da Europa do Leste são referências ainda mais afiadas para a comparação. Enquanto foram socialistas, os países da ex-União Soviética, Polônia, Iugoslávia, Checoslováquia, Hungria e Romênia erradicaram totalmente a miséria aterrorizante que existia em seus domínios antes da Revolução Russa de 1917 e antes do período de revoluções naqueles países, entre 1945 e 1948.
Conjuntura
Consideradas pois as questões estruturais como condicionantes do que acontece concretamente hoje, o Massacre do Jacarezinho ocorre em uma conjuntura de desenvolvimento complexo e de previsibilidade difícil quanto a seu desenrolar específico. Mas qualquer análise ou previsão tem necessariamente que partir daquilo que pra nós do MM5 é evidência incontestável: Bolsonaro está, como sempre esteve, empenhado em instalar um estado fascista no Brasil. Que se atente que não estamos falando de uma ditadura qualquer, sequer do modelo de 1964. De lá pra cá a burguesia – inclusive através da própria ditadura – criou um vasto e sofisticado mercado de consumo com uma correspondente classe média sofregamente consumista, alienada e fascistoide. Diante da miséria do proletariado, tal classe média se considera uma classe tão privilegiada quanto a burguesia, ou seja, tão inimiga do proletariado quanto o é a burguesia. Mas os óculos pequeno-burgueses da maioria da esquerda brasileira não veem nada disso. Tudo que quer tal maioria é usar o sofrimento do proletariado como passaporte para o jardim das delícias das instituições burguesas, uma cadeirinha no legislativo e, quem sabe, no executivo. Tudo dentro da lei e da ordem, claro. Neste sentido, os gritos de “Fora Bolsonaro” são simplesmente inconsequentes, como o foram os “Fora Collor”, “Fora FHC”, “Fora Temer” e quantos mais possam vir.
Que fique claro, contudo, que MM5 não é contra o desenvolvimento de lutas parciais pelo salário, pela moradia, pela saúde, pela educação, pelo transporte, pela garantia de vida. É no corpo desta luta que, além dos próprios ganhos parciais, os trabalhadores podem ganhar em organização e consciência. Mas que se tenha igualmente claro que estas lutas parciais são … parciais! E se elas forem travadas fora da perspectiva da luta final – a insurreição proletária e a instalação de um estado-sociedade socialista –, somente servirão para travar a luta revolucionária. Concretamente, é decisivo organizar e conscientizar os segmentos mais combativos do proletariado em organizações de vanguarda, revolucionárias. A consciência e a luta sindicais são pontos de partida, jamais de chegada.
Vamos, pois, aos bairros, sindicatos e locais de trabalho lutar ao lado dos trabalhadores por melhores condições gerais de vida, sabendo que estas lutas concretas não podem caminhar, em sua organização e em sua consciência, em linha contrária à insurreição proletária, à revolução.
Venceremos!