Bolsonaro desafia o setor legalista do Exército

Bolsonaro desafia o setor legalista do Exército

A ‘motociata’ promovida no último dia 23/5 por Bolsonaro e seus apoiadores, na Zona Sul do Rio, marcou um salto qualitativo no processo de acumulação de forças da extrema direita brasileira rumo à possível implantação de um projeto fascista no país. O cortejo de mais de 6 mil motocicletas que percorreu a orla da Barra da Tijuca ao Aterro do Flamengo, contudo, foi infelizmente analisado de forma apressada e superficial pela maioria esmagadora da esquerda reformista, que se ateve a comparações entre aquela motociata com manifestações semelhantes realizadas por Mussolini na Itália dos anos 30. O que mostra a total incapacidade de a esquerda reformista brasileira realizar uma análise de conjuntura minimamente séria.

Não. A motociata bolsonarista do último dia 23/5 não pode ser classificada de fascista por meras semelhanças imagéticas com o que quer que seja. Para nós, do MM5, é claro que Bolsonaro quer implantar o fascismo no Brasil, como já demonstramos em inúmeras análises anteriores. Mas o fascismo é muito mais que um espetáculo visual ou um conjunto de imagens de motocicletas, faixas, gritos, palavras de ordem e bandeiras. O fascismo é muito mais que o espetáculo de intimidação e violência motorizada presenciado pela população do Rio no dia 23/5. O fascismo e suas práticas não podem ser resumidos a imagens de pessoas andando de motocicleta´, por mais violentas que sejam tais imagens. O fascismo tem razões e motivações muito mais profundas, e há que saber identificá-las.

A primordial dessas razões é que o fascismo — como absoluto reinado de terror e barbárie — constitui-se historicamente como uma das possíveis respostas da burguesia e do imperialismo à crise de reprodutibilidade do capital e de sua própria dominação. Ao contrário das outras duas formas clássicas de dominação e governo burguês — democracia e ditadura militar —, o fascismo torna-se necessário quando é impossível à burguesia governar diretamente, sendo então urgente que a burguesia e o imperialismo lancem mão de um governo de tipo diferente, ao mesmo tempo ditatorial e com grande apoio de massas, sempre coesionadas em torno do bonapartismo expresso pela liderança fascista.

É esta razão histórica fundamental — a crise de reprodutibilidade e dominação burguesas — que explica a emergência do fascismo numa determinada formação social capitalista, e não o fato de seus governantes terem (ou não) promovido motociatas.

No Brasil, as bases sociais para implantação do fascismo existem concretamente e já estão dadas: a existência de uma grande classe média ultrarreacionária e consumista, composta de 40 milhões de pessoas; aparatos policiais repressivos herdados da ditadura militar e que jamais foram desmontados; milicianos armados nas periferias das grandes cidades brasileiras; Forças Armadas conservadoras e profundamente anticomunistas; e manipulação ideológica do proletariado promovida diariamente pelas igrejas evangélicas. A isto soma-se outro fator decisivo: um lumpemproletariado sempre passível de ser recrutado pelo fascismo, como já demonstrado na experiência dos Freikorps e das SA na Alemanha nazista e dos esquadrões de Mussolini.

Feitas tais considerações, perguntamos: o que a motociata bolsonarista do último dia 23/5 teve de essencial e diferenciador em relação às manifestações anteriores promovidas por Bolsonaro? Ela foi tão somente uma demonstração de força e intimidação? A resposta é não. Ela foi bem mais que isso. Além de demonstrar força e disposição para intimidar, a motociata bolsonarista lançou simultaneamente um desafio e um apelo aos militares brasileiros, sobretudo os da alta oficialidade, no sentido de aderirem ao projeto bolsonarista de poder. Um desafio até mesmo aos militares que porventura pensem em se posicionar contrariamente a Bolsonaro e seu projeto.

Nesse sentido, a presença do ex-ministro da saúde, general da ativa Eduardo Pazuello, foi decisiva para que Bolsonaro lançasse o desafio aberto ao alto comando das Forças Armadas. Desafio àquilo que mais diretamente estrutura essas forças: a hierarquia militar.

Com a motociata e a presença ostensiva de Pazuello naquela manifestação, Bolsonaro assim obriga o alto comando a se posicionar. Em outras palavras, a resposta das Forças Armadas à presença de Pazuello na motociata vai indicar como essas forças estão se posicionando em relação ao projeto bolsonarista de poder. Projeto que já dispõe de amplo apoio junto à baixa oficialidade das três armas.

A esquerda reformista brasileira, contudo, ainda não entendeu o que realmente está em jogo na atual conjuntura. Esquerda que, em sua maioria, continua achando que o fascismo se combate com mais democracia, passeatas e idas periódicas às urnas. Esquerda que não sabe — ou finge não saber — que o fascismo só se derrota a partir de uma estratégia verdadeiramente proletária e com uma luta organizada do proletariado contra a extrema direita, em todas as frentes de atuação.

Infelizmente, uma estratégia realmente proletária não é o que as manifestações contra Bolsonaro convocadas para o último sábado (29 de maio) em várias cidades brasileiras apontam. Ao contrário. Os atos foram convocados a partir de uma unidade entre centrais sindicais, ONGs, movimentos sociais, movimentos negros, LGBTI, PT, PSB, PCdoB e demais partidos burgueses e reformistas, a partir da afirmação de consignas de defesa da democracia, de pautas identitárias e das instituições. Nada mais que isto. Salta aos olhos, inclusive, a completa ausência de palavras de ordem proletárias ou que apontem para a luta por um governo de trabalhadores, sem conciliação de classes.

Por suas consignas abertamente reformistas e defensoras da institucionalidade, as manifestações do sábado (29/5) podem involuntariamente produzir o fortalecimento de Bolsonaro. Na medida em que não acumulam forças para a revolução e o desenvolvimento de uma genuína consciência de classe proletária, essas manifestações contribuem assim para a manutenção da ordem burguesa e sua institucionalidade. Falando em outros termos: mesmo na hipótese de momentaneamente acuar e derrotar o bolsonarismo com suas manifestações, a esquerda reformista brasileira conseguirá, no máximo, prestar um grande serviço aos setores burgueses que no momento fazem oposição de direita a Bolsonaro.

É preciso denunciar o conluio entre o reformismo e os setores burgueses anti-Bolsonaro. É preciso reafirmar a necessidade urgente de uma consciência proletária independente e revolucionária, organizada em torno de um partido marxista leninista, única forma de efetivamente derrotar Bolsonaro e o fascismo no Brasil.

Venceremos!

 

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