Mais uma vez e sempre Marx: a história acontece como tragédia e somente se repete como farsa. E assim é. Em 7 de setembro de 1822 montou-se a maior de todas as tragédias políticas que vêm desabando sobre os trabalhadores brasileiros desde o chamado descobrimento. A primeira onda escravagista se desenvolveu com o primeiro ciclo econômico da colônia: a escravização dos indígenas na extração e embarque do pau-brasil. A segunda, com a escravidão de trabalhadores negros, originários da África, e seus descendentes aqui nascidos. A terceira onda, advinda da proclamação da república (1889), com a escravização assalariada de que são vítimas até hoje os descendentes dos indígenas, dos escravos africanos e dos imigrantes portugueses, italianos e alemães, principalmente. É desta mesclagem que se constitui o trabalhador brasileiro.
Com a crise do colonialismo na América Latina, no início do século XIX, desencadeada pela invasão napoleônica na Península Ibérica, abre-se um ciclo independentista no nosso subcontinente, com duas marcas predominantes: abolição da instituição escravocrata e formação de nações republicanas independentes nas colônias espanholas. Nossa tragédia política é que em terras portuguesas – no Brasil – não houve nada disso. Nem repúblicas, nem abolição da escravidão. E nem independência, já que o império que substituiu a colônia se estruturou nos mesmos alicerces e bases anteriores sócio-econômicas e políticas coloniais. E tal tragédia é glorificada até hoje pela burguesia e seus agentes, como no caso atualíssimo desta velha senhora desavergonhada chamada Rede Globo, que aproveitou a data para colocar no ar glorificações e louvores ao império na pessoa do maior dos escravocratas de que se tem notícia na história moderna: D. Pedro II.
E a farsa acaba de acontecer. No último 7 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro, democraticamente eleito em 2018, pretendeu operar um golpe fascista no país – mesmo sem qualquer base material para isso –, aproveitando-se de que a data hipoteticamente reacenderia as chamas do oportunismo patrioteiro abrigadas nos corações e mentes das hordas que o apoiam – de milicianos a traficantes, de burgueses àquela enorme pequena burguesia hedonista criada pela ditadura, de evangelistas financeiros a políticos vagabundos. Mas o golpe não aconteceu. Sequer ocorreram manifestações mais agudas que fortalecessem o projeto fascista carregado por Bolsonaro desde que integrava o Exército torturador brasileiro. Nada disso. Fracasso total. Uma farsa.
Uma nova conjuntura
Com a comédia de erros em que se constituiu o fracassado golpe de 7 de setembro de 2021, o bolsonarismo entrou em queda livre, em progressiva queda livre. A eleição de 2022 há muito não figura como marco estratégico nos planos do presidente psicopata. Ele próprio destruiu suas possibilidades eleitorais de 2022. Burrice até que poderia ser, já que se trata de homem desprovido de capacidade de raciocínio crítico. Na realidade, porém, ele supôs que já neste mandato ele poderia desfechar seu tão sonhado golpe fascista. Mas é abissal a distância entre o que quer e o que ‘pensa’ Jair Messias Bolsonaro e a realidade. Os estragos políticos provocados pela condução genocida da sua política para a Covid são definitivos. Sua obsessão pelo golpe resultou em uma inoperância administrativa jamais vista, a tal ponto que o obtuso Michel Temer correu a lhe aconselhar da necessidade de ir mais devagar com o andor. Crise hídrica, crise energética, inflação, custo de vida, queda do PIB formam um paredão intransponível à frente de uma eventual recuperação de Bolsonaro. Some-se a isso a oposição aberta que hoje lhe fazem o empresariado e seus patrões imperialistas, conhecido que é o fato de que o chefão da quadrilha imperialista, Joe Biden, lhe enviou há cerca de vinte dias seu conselheiro para segurança nacional com a advertência de que não o apoiaria na remota hipótese de sucesso de seu golpe.
Seria cômica se não fosse trágica a autotransformação de Bolsonaro de lobo em cordeiro, um cordeiro mansinho, cordato, a berrar baixinho que agora é defensor da democracia, das instituições, que o que disse sobre o ministro Alexandre de Morais foi dito no calor do debate, que o ministro era homem qualificado, professor. O fato é que ninguém entre os possuidores de cérebro acreditou no arrependimento de Bolsonaro, em suas lágrimas de crocodilo. Mas entre seus adeptos a gritaria é geral, grande parte expondo sua decepção com o recuo, na verdade enganoso, de Bolsonaro. Uma parte de suas hostes já arrisca a palavra traidor.
Abre-se então uma nova conjuntura, ou seja, uma nova correlação de forças entre a burguesia e o proletariado – pois é disso que se trata quando se fala em conjuntura. Como não há vazio em política, a tendência é que haja uma progressiva reanimação do movimento dos trabalhadores, inicialmente centrado em reivindicações econômicas face à deterioração de suas já precárias condições de vida com o agravamento da crise também mundial.
É neste novo quadro que a esquerda é novamente desafiada. Saberá a esquerda superar seus velhos vícios do oportunismo, do carreirismo, da falta de princípios proletários que desde sempre vêm marcando suas ações? Desgraçadamente, o mais provável é que não. Com o fracasso do golpe ainda quente, setores desta esquerda majoritária já acenam com a possibilidade de se alinhar com uma facção bolsonarista dissidente. Com fascistas fantasiados de liberais. O mais provável, no entanto, é que esta banda podre da esquerda não progrida. O que realmente preocupa é que segmentos mais sérios desta esquerda majoritária já municiam seus canhões enferrujados para a defesa do estado burguês e da ideologia burguesa da democracia como valor universal. Por exemplo, em recente publicação, o Partido Comunista Brasileiro (PCB) sai a propagar sua velha crendice nas “liberdades democráticas” e em um certo “poder popular”. Dos trotskistas, como sempre, nada a esperar na linha da defesa rigorosa dos interesses do proletariado. Não faz tempo, como se lembra, o PSTU cantou aleluias à vitória dos talibãs no Afeganistão – este mesmo talibã que escraviza, oprime e explora brutalmente o proletariado afegão, este mesmo talibã que tortura e assassina quem ousa lhe desafiar, este mesmo talibã que foi criado e alimentado pelos Estados Unidos, este mesmo talibã que se orgulha particularmente em oprimir e humilhar as mulheres.
Cabe a nós, enquanto agrupamento marxista, trabalhar no interior da reanimação do movimento dos trabalhadores na linha da independência frente aos interesses da burguesia e da pequena burguesia, tanto na luta econômica quanto na luta política. É preciso aprofundar na prática nossa crítica ao institucionalismo, ao cretinismo parlamentar, às frentes espúrias alegadas e falsamente construídas em nome dos tais “objetivos imediatos”. Para o marxismo, para o leninismo, os objetivos imediatos jamais podem colidir com os objetivos futuros. Pelo contrário, a luta pelos objetivos imediatos deve servir diretamente à luta pelos objetivos futuros – e o objetivo futuro da luta dos trabalhadores é a revolução proletária. A insurreição revolucionária dos trabalhadores. Não podemos lutar, pois, pela substituição do decadente governo Bolsonaro por uma democracia ou qualquer outra forma de governo burguês, mesmo que esta democracia venha fantasiada com os velhos penduricalhos oportunistas como ‘proletária’, ‘popular’, ‘socialista’ etc.
É por tudo isso que o Movimento Marxista 5 de Maio-MM5 trabalha nesta nova conjuntura sob a consigna:
Fora Bolsonaro – Por um governo de trabalhadores, só de trabalhadores!
Venceremos!